quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Fechado para balanço

Fechou. Fechou para balanço. Esperou o último sair para baixar as portas. Fechou-se como quem sela uma carta, devagar. Lá dentro, um silêncio imenso assentou-se. Olhou para toda aquela bagunça, começou a experimentar uma sensação inédita, começou a enxergar uma certa paz abraçando o seu próprio caos.

Começou a ouvir um som desconhecido. Pela primeira vez na vida ela estava ouvindo a voz de uma amiga antiga, uma voz não, um sussurro baixinho. Pela primeira vez na vida ela escutava a própria voz. Uma voz linda, a quem se arrependia não ter dado mais ouvidos. Começou analisando com calma as receitas e despesas daquele período. Ganhou mais do que perdeu? Investiu mais do que obteve retorno? Acreditou demais em seus sonhos? O amor pede investimentos altos. Você só percebe isto depois que pagou, depois que se deu como garantia.

Um dia a conta vem, já dizia sua mãe. Na conta apertada, nos cálculos que não batem, entendeu que os estragos não tinham sido suficientes para fechar as portas definitivamente, mas quase. Antes de seguir, precisava quitar todas as dívidas, dizer o que ainda estava para ser dito. Mesmo que não fosse mudar nada, mesmo que não suavizasse suas perdas, suas despesas emocionais, precisava dizer. Aquele peso não era só dela para carregar sozinha. “Deixe que ele carregue também alguns dos encargos”, aconselhou aquela voz curtinha.

 Após entender a dimensão do estrago, a fundura para onde suas próprias escolhas cegas a levaram, começou a enxergar que em meio ao caos, também havia estoque. Doze, quem sabe quinze, caixas de amor próprio! Quem diria? Anotou num pedaço de papel uma lista de tudo que poderia lhe salvar, de tudo que tinha sobrado de si.

Anotou ali os poucos amigos que não desistiram da sua companhia e também o seu gosto esquecido pela leitura. Logo abaixo enumerou todas as caixas que continham o que a trazia para mais perto de si: ficar em silêncio ao pôr do sol, tomar vinho enquanto cozinha só para si, massagear os próprios pés assistindo pela quinta vez seu filme preferido. Sim, ainda havia em estoque muito para se descobrir sobre aquela mulher contida.

As portas permanecem abaixadas. Antes de seguir, precisa estar certa de seus próximos passos. Havia uma voz, pequenininha, crescendo e crescendo mais. Fechada para balanço ela se aceitou sozinha, mas não solitária. Estava no lucro. Sozinhos é que descobrimos que às vezes a melhor companhia já mora em nós.

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By Amelia Biagioli

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